Homenagem a Chico Buarque das Sereias de Holanda
Com três pedras na mão, morto de inveja, me atrevi a perguntar a um oráculo que tenho porque Chico Buarque de Holanda é imortal. Minha pressuposição acerca dessa imortalidade refletia a idéia de que Chico encontra-se largamente embutido no imaginário coletivo, especialmente o das mulheres. Chico é um pai? Minha hipótese é de que Chico recorta e traz, com mãos de poeta, a violência dos tempos, que se abate com maior contundência – ninguém há de duvidar disso – sobre as mulheres. Ouvi Renata Maria, do último disco, e estarreci-me. Onde está o poeta Chico? Ele ainda vê sereias no Rio de Janeiro – proposta de paz. Creio que aquele oráculo me apontou algo que não sabemos. Que uma breve brisa sopra de um antigo cais (referência: Ode Marítima, Fernando Pessoa). Ali, os homens estão, e é contra o vento. Ontem, morri ao saber desse segredo.
Quando nasci,
Um anjo torto
Desses, etcétera.
Recebi teu beijo.
Depois, vieram procurar-me:
- Marcus, queres ser o rei dos másculos?
Tudo é divino e oculto.
Vieram ter segredos.
Ócio interpretativo.
Botei óculos.
O segredo da arte está nos beijos que recebes.
Os tormentos.
Há belos tormentos pictografados.
A arte, elementos do cérebro.
Eu nasci amaldiçoado, com o cu nas calças.
Danação.
Fico cá, esperando as mulheres, anjos em pele de leão.
Vaginas lavam o teu anseio.
Ficar esperando.
Quando eu nasci, um anjo desses torto,
E eu disse:
- É foda, Carlos.
Ângelos galhados,
Com açoites
E os pintos, pictógrafos.
A mulher me bate, com o seu anseio,
Ali onde esconde-se um pai.
Eu gosto de sexo asseado.
Asseio: a perfeita acareação.
Ouço nossos sambas, reis, novelas.
O Brasil é uma estrela lusitana, a mais bela, portentosa.
De cinco mulheres que eu conheço,
15 revelam seus segredos,
Destrambelham seus canonosos pais,
Colocam-se diante da pia,
Põe-se a lavar ovos,
Quando Chico canta,
Um pouco sujo,
Mesmo perneta.
Supremus.
Supremus.
Chico Buarque de Holanda.
Algumas coisas se fizeram aqui neste quintal,
Ao som de seu magnífico atabaque.
A mulher é sangue.
Tenho vergonha das minhas pernas.
Estrangeiro, sou um estrangeiro num país de pernas pretas
E escolas de samba.
A mulher diz:
- Amo Chico Buarque.
Ela não sabe que ao amar Chico,
Ama uma indecência.
A escravatura brasileira escrita
Sobre a base de um rito de escrever as negras.
Nossa cultura.
Grandes florestas da Ameríndia.
A coroação portuguesa.
A América escrita em espanhol.
Um sotaque de autoridade.
A intensa vaidade.
O que
é Chico Buarque?
Uma negra comida por trás:
- A indecência nacional transmutada em beleza.
A glória, as glórias nunca serão estanques.
O ponto crítico que é o Rio de Janeiro,
Esta estranha alegoria.
Buarque.
Pertenço aos de Holanda.
“Tanto horror e iniqüidade” e putaria.
Fria, a filha do senhor dono de negros
É fria.
- Hoje, a pátria tem bunda.
Morenas pias,
Saborosas,
Como frutas melequentas.
Estrela fria, te orienta.
Hoje, o sabor de alforria organiza o movimento.
- Brasil, eu amo tuas filhas!
Batismos de fogo e tristezas.
Meu padroeiro de braços abertos
Sobre o Rio de Janeiro.
Salvações crísticas.
Ninguém tem certeza com Maria.
O gado está bento.
Ave, a filha que o sol queimou,
Que me dá seus peitos.
Subcristianismo tropical.
- Queremos,
Porque queremos,
O charme,
O sossego
Desse Deus grego
De olhos vítreos.
Deus, salve as Marias
Todas filhas de Francisco.
Água nos olhos,
Sal na boca.
A escrita sônica.
As sereias.
A verde saudade
Por águas tão fundas.
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