ITINERÁRIO FILOSÓFICO DE UM VELHO MALUCO (Poemas inéditos de Fausto Wolff)


Serve para pedir perdão e devolver este mesmo tempo a todas as princesas do mundo. Às caboclas dou o luar do sertão da paixão cearense. Para as polaquinhas fica a minha potência juvenil. Às outras, o que acharem que preste neste leilão corporal. O poema do sexto ano do segundo milênio quer denunciar a hipocrisia, brigar com a briga, humilhar a reação. Além disso, vai trazer de volta, via Sedex, aquele sorriso maroto que eu tinha em 46. Vai me devolver a música dos anos 60 e todas as mocinhas que jamais envelheceram aos meus olhos, preparados para a dor, a lágrima, a guerra, o horror. Não há como receber toda a beleza do mundo sem proteção. A beleza contida no feio, no reles, no ridículo. Esta é a hora da comunhão. É a hora de dançar uma dança tão amável que ignora a falta de pontes; que ignora o piscar dos teus olhos, que deste para o enfermeiro que me carregava para a ambulância ferido de abrupta harmonia e pronto para morrer devidamente morfinado de amor finado. Pronto para ser enterrado no quintal do outro lado do muro ao som de um oboé meio xucro.

Os elementos da poesia são tão pequenos que costumam se esconder atrás dos átomos. Eles são o canto do pássaro; o canto não iniciado do pássaro que não teve tempo para a vida antes de morrer. Os elementos da poesia podem ser gigantescos ou invisíveis. O pedaço da minhoca que caiu ao mar, a bolha de água fervente e a ilha que se cria entre o horizonte e o cosmo. Os elementos da poesia são aqueles que dão forma e conteúdo ao verso desde que ele esteja lá. O verdadeiro poeta não é. Ele se anula na chuva e se confunde com o sol da manhã. O poeta não existe. É um fantasma que passa pela Av. Rio Branco sem ser percebido. Logo, não é. O poema é um pedaço descuidado da harmonia de um dia turbulento. Imperceptível aos olhos o poeta não é e a poesia não se permite ser. Logo, não precisamos nos preocupar.

Quando o vazio me ataca entre o princípio e o fim de um gesto, sou rodeado por todos os meus amigos, os bem próximos, os que estão longe, os que me lembram e os que acham que os esqueci. Mortos ou vivos, recentes ou antigos, gostaria que soubessem que os amo muito no profundo da mente. Estou com eles ao amanhecer, e até mesmo ao me embebedar de passado no incerto anoitecer. Quero que saibam que se não os procuro, penso neles. Se os procuro e não acho, eu todo me desatarraxo. Pois que a minha vida sempre foi assim. Eu, longe, cabisbaixo, tentando como um louco apanhar os carinhos, os sorrisos, os pequenos elogios dirigidos a mim.

Um dia nós ainda riremos muito disso tudo. Um dia, cujo nome não saberemos, melhor, ainda não saberemos, pois poderá ser uma noite anônima e levemente abafada de si mesma. De qualquer forma, tenho certeza, daremos boas gargalhadas. No meio dessa farra juvenil alguém poderá se dar conta de que talvez nós não sejamos nós realmente. Quem pode nos assegurar que nossas incríveis aventuras aconteceram de verdade? E, em caso positivo, se éramos nós os protagonistas? Alguém poderá sugerir que fujamos; que atravessemos o rio. Mas o mesmo terror das seis da tarde se recolherá como um prisioneiro para dentro dos nossos corações. Dentro da prisão perpétua, colados à parede negra como um almanaque cuja imagem ignoramos, voltaremos às nossas elucubrações filosóficas: "E se a vida não passasse de uma esperança, de uma história infantil que ninguém escreveu e à qual nos agarramos entre o insuportável e o impossível?".

Eu ia para as Ilhas Canárias; ela para Estocolmo. A vi, de longe, no trem de Amsterdam. Na tarde seguinte, ela nadava na piscina e eu jogava xadrez e bebia uísque com um exagero suicida. À noite tentei convidá-la para dançar mas havia admiradores, representantes de todas as raças e credos, ao seu redor. No jardim, de relance, de repente surgiu ao meu lado, como uma princesa verdadeira dos contos de Grimm. As lágrimas desciam pelos meus olhos de pura felicidade, pois nunca mais precisaria de ninguém e nem precisaria sofrer. A existência dela me bastaria. Disse-me em irlandês arcaico: "Marido meu". Fui atrás dela, que, como personagem de um conto de fadas, evaporou-se, confundiu-se com a noite espanhola, deixando-a ainda mais bela. Hoje, tantas décadas depois, alguém vive a minha vida ao lado dela e eu escrevo livros para dar um sentido à vida que me foi roubada num momento de maldita indecisão na gare de Amsterdam. Hoje vago pelo mundo entre o bar e a seção de achados e perdidos, como quem procura um rosto que já não lembra num tempo que já não tem.

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