MARCUS MINUZZI e CARLOS BESEN





Nasci querendo tudo.
Bezerro manso.
Ó vaso, mágico.
Venham, comigo, sejamos partícipes.
Compro saquito de pipocas,
No Centro de Porto Alegre.
Há um ventre,
Que me encobre,
A pipoca doce, o Centro.
Centro, dorme.
Parece gozo.
Por que as cidades me tocam?
Soraia, tens a melhor boceta do mundo.
Há mulheres-mundo.
Gosto do mor amor.
- Querido, a cidade não te quer.
Calma, a cidade me sonha
E ainda não sabe.
Valéria.
Se eu pudesse, botava o nome
Da cidade de Valéria.
Vingo-me de Soraia,
Por suas pedras.
O rock,
Nesta cidade,
Me exaspera
.


Poema do livro "VOSSO GOZO - O beijo de moça governará o povo", inédito de Marcus Minuzzi. Leia mais aqui.

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UMA ESTAÇÃO NO AQUÁRIO

Pisando como criança incauta,
o trem organiza a água.
Abrindo de luz a boca,
anda como riacho indiferente ao mar.
O trem ergue a crista
do assobio de metal,
é um galo que esqueceu o pátio
em que desperta apitando para o milho.
O trem marinho se move
como arcada dentária,
se dobra como isca à guisa.
José, João, Maria:
fisgamos o trem,
desjejum da manhã na cor do rio.
Há uma vergonha de vapor,
o trem fecha as portas para esconder
que tem café com céu
para prosseguir com fome.
O trem se isola como mão fechada,
anel de limbo.
João na pele de José,
cada passageiro se encosta
no fio da respiração.
Maria canta chão, cada som
(uma tosse, um suspiro)
já é ruído, punhal.
Cada gomo de água demarca
território, gula de sede.
As línguas só se mostram como faca,
João, Maria e José
se contentam em sentar e permanecer
eretos como tubos de coral
que pendulam como alga.
João espera a sala de desembarque,
José na paisagem toma o trem
como sala de espera,
Maria desponta: aquário,
a sala de espera do trem
é uma televisão de barco.
A saída que não se aproxima
é lâmina engolida,
a língua devolvida à carne
enterra as cinzas nos trilhos.
O trem não encontra luz no fim do túnel,
Maria, José, João,
o trem é a luz azul do túnel.
Sem frear a água da memória,
a lucidez, João, Maria, José,
abre portas como janelas
sem escuro no convexo.
A vida resfolega em atropelos,
logo a lucidez reencontra porão.
A água que balança
imita a onda do fogo,
Maria levita como pluma de brasa,
Maria se pendura nos ferrolhos do trem
como peixe em árvore de prata.
O trem abrindo o rio
corre os caminhos de seiva
na copa de Maria,
e José e João despertencidos
são sementes sobre o redemoinho.
Maria tem galhos
para interrogar os vidros,
Maria tem dedos de folha vária
que se decepam no irrespondido,
Maria não se distingue
entre raiz e tronco e caule e musgo,
Maria ébria como um fruto
conservado na calda,
Maria vasculha seu rosto
no vento que se afoga,
Maria perde os sapatos de concha,
Maria descalça em seu vestido de água,
Maria, uma árvore sem avesso:
Mariárvore, âncora esquecida de começo
.
O trem pára seco,
estanque como fotografia,
a água é um negativo:
João, José,
o trem é uma árvore deitada
seguindo caminho de estação:
José, João, o trem desarvorado
na gaveta da espuma:
- O que não guardamos
ainda nos aguarda.


Poema de Carlos Besen, do livro "Uma luz no aquário" (Nova Prova, 2006).

Um comentário:

marcus minuzzi disse...

presto minha homenagem ao besen. desconhecia esse talento que me deixa estarrecido. sem cacarejisse. é sério mesmo. abraço