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ANTOLOGIA CARIOCA (crônica de Luiz Antonio Simas)

Cante a tua aldeia e serás universal. Hoje cantarei minha aldeia, conforme o conselho do poeta. O que o Rio de Janeiro assistiu neste sábado é coisa de antologia. A Rua do Ouvidor, a mais charmosa da cidade, foi brindada com momentos absolutamente inesquecíveis, dignos de entrar para todos os anais da mui heróica e leal cidade de São Sebastião. Vamos aos fatos.
1- A livararia Foha Seca, templo maior da carioquice, organizou o lançamento do livro do jornalista Luís Pimentel, Noites de Sábado, e do cd do grande Zé Luiz do Império, com direito a uma roda de samba de primeiríssima qualidade, liderada pelo cavaco do Daniel Scisinio e pelo sete cordas do Tiago Prata, o grande Pratinha.
2- O samba aconteceu ao mesmo tempo em que na igreja da Santa Cruz dos Militares, na esquina da Ouvidor, rolava um casamento. Como a noiva, a Renata, se atrasou, os padrinhos resolveram aguardar a cerimônia na roda de samba. Cheios de salamaleques e meio-fraques, abandonaram a liturgia do cargo e encheram o pote. Estimulado pelos jornalistas José Sergio Rocha e Cesar Tartaglia e pelo caricaturista Cássio Loredano, o noivo, o Horácio, desistiu de esperar a consorte no altar e também resolveu curtir o partido-alto. Zé Sergio, Tartaglia e Loredano tentaram de todas as formas convencer o Horácio que o samba era melhor que o matrimônio. Alguns mais ousados queriam cooptar a noiva para a quizumba. Os padrinhos, já dobrando o Cabo da Boa Esperança, concordaram. A cena, carioquíssima, foi digna das páginas mais inspiradas de um Sérgio Porto; Zé Luiz cantava Malandros Maneiros, um clássico em homenagem aos bicheiros da velha guarda, e os convidados do casamento acompanhavam na palma da mão. No auge da irresponsabilidade, o noivo convidou os presentes, a maioria esmagadora de bermudas e chinelos de dedo, para a festa do casório. O povão ovacionava os pombinhos de forma colossal - com gritos de Aha-huhu- ô Renata eu vou comer seu bolo! e coisas do gênero.
3- O jornalista Álvaro Costa e Silva, o famoso Marechal, ainda sóbrio, me disse: - Simão, eu sou Império Serrano, Botafogo e Bafo da Onça. Horas depois, aos prantos, Marechal me segurou e afirmou com a urgência dos condenados: - E Emilinha! Eu também sou Emilinha...
4- Zé Luiz do Império, estimulado por doses generosas da água que o passarinho não bebe, resolveu homenagear a Rua do Ouvidor, a Folha Seca e o Rodrigo Ferrari, que comanda a livraria ao lado da Daniela Duarte. Disse o Zé Luiz:
- Obrigado ao Rodrigo. Valeu, Rodrigo.
Imediatamente, ouviu-se uma única pessoa aplaudindo o Rodrigo. Era ele mesmo, o próprio Rodrigo Ferrari, que se aplaudia numa espécie de auto-homenagem comovente. Digão, já tocado, falou-me emocionado:
- Só eu me aplaudi.
5- O percussionista Carlos Negreiros, que deu uma bela canja, exclamou entusiasmado com a performance do Pratinha:
- Que sete cordas é esse? Escutem o sete cordas.
O compositor Jards Macalé, também estarrecido com as diabruras do garoto, perguntou:
- Quem é o menino do violão? Quem é esse monstro?
6- Sabem quantos policiais estavam fazendo a segurança do evento? Nenhum! Sabem quantos conflitos ocorreram? Nenhum! Vivemos um sábado monumental, digno de figurar num conto do Lima Barreto, numa novela do João Antônio, ou num samba-de-breque do Kid Morengueira.
O Rio de Janeiro vive!

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