EVERTON BEHENCK





Everton, vamos começar falando sobre a tua trajetória de poeta até aqui. Tem livro(s) publicado(s) ou pronto pra ser publicado(s)? Publicou onde teus poemas, revistas, jornais, concursos, internet?
Não tenho livro publicado. Tive dois poemas publicados em antologias. Uma em São Paulo e outra aqui na Feira do Livro, no projeto Habitasul Revelação Literária na Feira. E outros quatro na Revista Entre Livros, em novembro de 2006, numa parte da revista dedicada a novos autores. No mais, Internet. No Vaia, em sites de relacionamentos e agora em um blog: http://apesardoceu.wordpress.com/.

Ser poeta é mais talento ou esforço? Descobriu-se ou inventou-se poeta?
Acho que começa no talento. Mas acontece mesmo no esforço. No trabalho de ouvir o poema. Ouvir se ele está cantando para as pessoas. Se está cantando afinado. Com sentimento. A poesia, para mim, sempre esteve muito ligada à música. Ao ritmo. Então esse é o esforço. O trabalho. Mas não gosto de pensar nesse esforço como uma “cerebração” total da poesia. E sim passar o verso várias vezes por um filtro de sentimento. O que a gente sente, ainda não é poesia. Como disse o Drummond. Mas sem o que a gente sente, também não existe poesia. Não lembro direito quando comecei. Mas foi bem jovem. Bem inconsciente, mesmo. Aquela coisa da pré-adolescência. Sempre tive a melancolia por perto. Com uns dez, onze anos comecei a colocar coisas no papel. Aquele velho clichê da necessidade de expressar. Não fazia idéia do que estava fazendo. Mas continuo fazendo. Pelos mesmos motivos.

Quais livros (poesia e/ou prosa) fizeram parte da tua formação?
Na minha casa não tinha livros. Lia o quem aparecia. Ou o que me emprestavam. Mas em um momento, quando eu já era mais velho, comprei alguns livros de um amigo do meu chefe que tinha voltado de Fortaleza e estava sem dinheiro. Entre eles estava o Zen e a Arte da Manutenção de Motocicletas. De Robert M. Pirsig. Um Road Book filosófico. Li umas três vezes. Ta lá na minha instante todo sublinhado e cheio de notas de rodapé. Os pensamentos sobre o ser “romântico” e “clássico” e o anticonceito de qualidade que ele apresenta piraram a minha cabeça na época. Teve um impacto grande em mim como pessoa. Assim como o Nietzsche com o Humano, demasiado humano. Um filosofo que estou sempre relendo e que, agora, felizmente, está na moda.

Teve/tem algum incentivador? Quem?
Felizmente sim. Sempre. Primeiro para ler. Uma senhora que me comprava livros. Chegava em casa e tinha quatro, cinco livros novos me esperando. Me deu muitos livros que não escolhi. Mas alguns deles me escolheram. Depois para escrever. A Claudia Tajes. Que incentiva tanto que me convidou para fazer uma participação especial no seu último livro: Louca por Homem. Fiz os poemas do personagem de um dos capítulos do livro, que é poeta e se relaciona com a protagonista. Ela foi fundamental para que quisesse mostrar os versos, colocar a cara para bater. O Professor Luis Augusto Fischer também teve ótimas palavras a meu respeito quando pedi a ele indicação na busca por espaço para publicar. E o Fabrício Carpinejar, de quem sou fã, e foi muito generoso ao me indicar para a revista Entre Livros. Me ajudou muito a conseguir publicar lá. Foi um grande incentivo.

O que te inspira a escrever? O que é matéria para a tua poesia?
Tudo o que eu sinto. E a relação desses sentimentos com o mundo ao redor. Com as coisas mais simples. Com as emoções dos outros que vejo e sinto por aí. Tudo merece um verso.

Costuma começar pelo primeiro ou pelo último verso? Qual deles é o mais difícil? O que detona o poema?
Começo sempre pelo começo. Foram raras as vezes que não foi assim. Às vezes o fim vem no meio. Aí deixo ele de lado, termino de desenvolver e coloco o fim. Começo a sentir angústia. Aquilo vai tomando forma. Ganhando peso. É mais um clichê mas é exatamente assim. Sinto no peito. Como se fosse sendo preenchido por esse sentimento. Um, dois dias. Aí, escrevo um, dois, três poemas. De um fôlego. Depois trabalho em cima. Reviso. Leio em voz alta. Outra coisa que acontece muito é escrever para dizer algo a alguém. Como um recado. Uma carta. Ou como resposta a uma pergunta. As vezes alguém diz algo que me toca e faço um verso.

Há idéias ou imagens que te perseguem, que ficam grudadas no teu juízo algum tempo?
Sim. Não sou o cara mais original do mundo, mas são imagens muito fortes para mim. Coisas que sinto com força muito grande. O peito. Como um lugar imenso onde estou sempre me perdendo. Sempre encontro minha multiplicidade nesse espaço. Sei que não é a imagem mais nova do mundo. Mas sinto isso de um jeito tão forte que não consigo fugir dessa imagem. Outra, menos recorrente é a do espelho. O que ele mostra ou o que não mostra. Talvez em função de muitas experiências lisérgicas em frente ao meu próprio reflexo. Ou então os sentimentos como personagens. Sentimentos com sentimentos. Ou sentimentos com atitudes humanas. Personificados. Existem outras, mas menos recorrentes.

Qual é a tua relação com a cidade onde mora, porto alegre? No que isso influencia a tua poética e se manifesta no que tu escreves?
Bom. Sou fruto de Porto Alegre. Então, a mão que escreve é de um portoalegrense. Mas acho que na prática, a cidade está mais em mim do que no que escrevo. Busco muito a simplicidade. A universalidade. Queria escrever para todos. Acho que não marcar traços muito regionais, pelo menos de forma explícita, faz parte disso.

Como define a tua poesia? Como caracterizaria tuas principais ambições estéticas?
Simplicidade. Quero fazer uma poesia simples. Popular. Com imagens simples que todos entendam. Uma poesia da emoção. Dos sentimentos, sejam quais forem. Desde que sejam sinceros. Só isso.

Tu identificas uma geração literária hoje, ou um grupo de poetas brasileiros com projeto comum definido? E tu te vês fazendo parte de alguma geração literária?
Acho que não. Mas com certeza mais por ignorância minha do que pela inexistência dessa geração. Ou gerações. A impressão que eu tenho é que a pluraridade é tão grande que poderiam ser reunidos poetas com todo o tipo de estilos. Desde os mais herméticos e eruditos até rappers. Não me vejo fazendo parte de nada, na verdade. Sigo fazendo o que eu faço e vou seguir fazendo apesar de qualquer coisa. Conheço algumas pessoas que se alinham um pouco com o que eu faço. Um amigo em Curitiba, uma menina em Minas, outra aqui em Porto Alegre. Trocamos coisas. Nos lemos. Mas longe de ser uma geração ou movimento.

Recebeu ou recebe conselhos importantes de escritores na tua trajetória? Como foi e é o diálogo com outros escritores, da tua e de outras gerações?
Recebi uns conselhinhos do Carpinejar por mail. Coloquei no meu blog com todo o orgulho. E tento absorvê-los. Mas como tenho essa visão romântica das coisas, sei que no fim vou fazer como estou sentindo. Seja lá como for. E a Claudia Tajes. Bom, ela não me dá conselhos, mas me empresta muitos livros. Ótimas leituras. Esses livros me dão muitos conselhos.

Tu lês crítica literária? Concorda com a idéia de que ela, nos jornais e revistas, está mais digestivo-introdutória do que analítico-crítica?
Não costumo ler crítica. Tenho uma relação muito simples com o que consumo em matéria de arte. Se eu gosto é bom. Se não gosto é ruim. Claro que acompanho lançamentos. Me informo. Mas acabo tomando conhecimento das novidades e afins, mais por amigos com o gosto alinhado com o meu do que pela crítica oficial. Quando leio, tento não ser muito influenciado pela opinião que está ali. Justamente por achar a crítica mais digestivo-introdutória. Se é que isso significa o que eu entendi. Não quero ser uma daquelas pessoas que lêem uma crítica, formam opinião e a reproduzem, às vezes, sem nem mesmo chegar a ler a obra.

A crítica literária pode influenciar a produção poética de uma geração?
Se você está olhando para a crítica, sim. Se está olhando para o que você sente, não.

Muitos poetas hoje apresentam uma versatilidade acadêmica. Eles conhecem várias línguas, traduzem, fazem ensaios, críticas, resenhas, estudam várias disciplinas. O poeta precisa ser um erudito? Poesia só se faz com muito estudo?
Pra mim, poesia só se faz com muita sinceridade. Claro que estou sendo simplista. Claro, também, que não vou fazer uma apologia da ignorância. Meu histórico escolar é terrível. Com expulsão de colégio, parada nos estudos, retomada com supletivos. Mas sempre busquei cultura. Conhecimento. Só não me agrado muito das instituições estabelecidas. Mas acho que minha resposta está na banda Cordel do Fogo Encantado. Eles contam uma história de um poeta nordestino chamado Zé da Luz. Contam eles, que disseram para o poeta que para falar de amor era preciso muito estudo. A resposta foi:
AI! SE SÊSSE!...
Se um dia nós se gostasse;
Se um dia nós se queresse;
Se nós dos se impariásse,
Se juntinho nós dois vivesse!
Se juntinho nós dois morasse
Se juntinho nós dois drumisse;
Se juntinho nós dois morresse!
Se pro céu nós assubisse?
Mas porém, se acontecesse
qui São Pêdo não abrisse
as portas do céu e fosse,
te dizê quarqué toulíce?
E se eu me arriminasse
e se tu com eu insistisse,
prá qui eu me arrezorvesse
e a minha faca puxasse,
e o buxo do céu furasse?...
Tarvez qui nós dois ficasse
tarvez qui nós dois caísse
e o céu furado arriasse
e as virge tôdas fugisse!!!
Zé da Luz

Como leitor de poesia o que tu achas que de mais importante um poeta tem que expressar na poesia que faz?
Expressar sua verdade. O que sente de mais íntimo. Mais denso. Mais forte. Mais sincero. Acho a capacidade de imprimir uma emoção em uma obra e essa impressão ser tão forte que chega ao leitor, entra nele e vai buscar, lá dentro, a sua correspondente no outro, uma das coisas mais sublimes e mais humanas. Acho que é aí que a poesia acontece realmente. Pelo menos para mim.

Qual a relação entre poesia e técnica? Basta dominar certas técnicas para ser poeta?
Basta ser dominado pela poesia para ser poeta. Sou intuitivo. Por isso sou simples. E simplório muitas vezes. É a vida. Minha relação com a poesia passa tão longe da técnica, do pragmático. Não consigo ver um poeta só da técnica. Claro que existem formas e fórmulas consagradas. Ou novas. Mas na minha opinião elas devem ser apreendidas para aumentar as possibilidades. Para ter receptáculos mais variados, talvez, para a poesia. Mas o que vai correr na veia da técnica. Da forma. Isso não se aprende. Aquilo que toca o outro de verdade, isso não está na técnica. Por mais que eu ache que devemos aprender, pensar, discuti-la e colocá-la em prática.

A poesia tem prestígio no âmbito da nossa cultura?
A impressão que tenho é que ela tem. Mas quase como um senhora que todos amam, respeitam, ou dizem amar e respeitar. Uma senhora que ninguém ousa agredir, mas que poucos gostam de visitar.

Qual a função social da poesia?
A poesia nos humaniza. Sensibiliza. Nos deixa mais suscetíveis aos sentimentos. Mesmo que não sejam nobres e bonitos. Acho que estamos muito distantes dos sentimentos. O homem comum, urbano, parece não sentir muito, nada. A poesia faz isso. Fura essas barreiras. Nos deixa menos endurecidos. E se olharmos ao redor, estamos precisando muito disso. Mas também pode ser mais simples. Um verso ajuda um homem a conquistar a mulher que ele julga ser o amor da sua vida, eles casam e tem filhos. Acho que o verso cumpriu um papel social lindo. Vocês não acham?

Qual a melhor editora brasileira? E qual a que edita e publica melhor livros de poesia?
Desculpe, mas não tenho informação suficiente para responder essa pergunta. As estantes das livrarias quase não tem poesia. Escondida num canto da loja. Mas a internet está cheia de versos. Sem julgamento de qualidade, isso deve significar algo.

Já participou ou pensa em participar de oficina de poesia? Como ela foi/será?
Nunca participei. Participei de uma curta oficina de contos. Achei muito interessante. Não sei exatamente como é/seria uma oficina de poesia. Talvez nos mesmos moldes que uma de conto. Com leitura de autores consagrados, discussão destes, proposta de temas, produção própria, leitura e discussão sobre essa produção. Acho muito válido qualquer exercício, discussão, leitura ou produção em função de um aperfeiçoamento. Então, acho muito válido qualquer curso ou oficina para buscar isso. Quem sabe quantos atalhos podem ser aprendidos. Coisas que a gente leva anos para aprender sozinho. Quando sobrar grana e um tempo, faço aquele curso de escritores da Unisinos.

O que tu achas do jornal Vaia?
Foi um espaço que me encontrou e não o contrário como é mais comum. E isso é muito importante. Me deixou muito feliz e também me fez pensar. Como isso é um sinal de que o jornal é instigado, valoriza a nova produção, procura conhecer. Assume esse papel. Provoca, dá espaço. E age. Faz eventos. Se descola da tela do computador, das páginas do jornal e vai pra vida. Mobiliza as pessoas. Faz as coisas efetivamente acontecerem. Podem contar comigo pra qualquer função.

Repito uma pergunta que a Clarice Lispector sempre fazia aos seus entrevistados: o que é mais importante na vida pra ti?
O importante é viver. Apesar do céu.

Poema de aniversário

Um dia

Vou me desfazer

Na terra

Me diluir

Em partes

Tão pequenas

Que a partir delas

Poderia ser:

O que for

O que der

O que o chão quiser

Não ser nada

Exatamente

Como sou agora

Uma parte

De um Tudo

Tão complexo

Que não há palavra

Para dizê-lo

E como é bom

Não sabê-lo

O que te prende ao chão?

Essa força

Que força tudo

Ao centro

A terra dura

A água pura

O ar

Onde me afogo

O que te joga ao céu?

Esse não poder ser só

Eu rogo a alguém

Que não sei o nome

Mas cada noite

Insone

O conhece

Não sei da prece

Mas o milagre conheço

De perto

Mas nenhum milagre

Impede a tarde

Que parte

Um dia não vou ser mais

Que um voltar pro mundo

Notando o peito

Na memória de quem fica

Nada explica

A vida

Esse destino inevitável

Nada sabe

A morte

Esse voltar a fazer parte

Como sabemos ser eternos?

Se nem mesmo

O próximo segundo nos pertence

Somos o fogo de uma vela

É bom que queime.

--------Mais aqui Apesar do céu











2 comentários:

Ivone disse...

Adorei a entrevista! Sempre muito bom ler sobre o Everton e suas letras. Parabéns à todos, pela entrevista. E Everton, um beijo meu, imenso... na sua alma linda de poeta!

Carmen Moreno em Prosa e Verso disse...

Everton, li seus poemas no Panorama da Palavra, publicação da Helena Ortiz, e fiquei bastante impressionada.O olhar do poeta também está impregnado nesta entrevista. Parabéns a todos. Abs, Carmen Moreno