Minicontos de Ivana Arruda Leite



XEQUE MATE
Quem me vê com esta coroa na cabeça e este manto cravejado de brilhantes sobre as costas é incapaz de me imaginar nua embaixo do corpo de Felipe, este mesmo que se ajoelha à minha frente e me jura fidelidade como um súdito qualquer. À noite, nos aposentos reais, ele sempre expressa um certo nervosismo ao me ver de pernas abertas. Eu entendo. Não deve ser fácil comer uma rainha.
(do livro Ao homem que não me quis, ed. Agir)

GILDA
Nunca houve mulher como Gilda. Ruim como a peste. Seu prazer era atazanar a vida de quem estivesse ao redor. Na hora de escolher a profissão, foi ser manicure. Sangrava as clientes de propósito só para vê-las pulando na cadeira. Um dia foi chamada para fazer o pé de Damião. Achou o pé do rapaz tão lindo, tão macio, que não teve coragem de feri-lo. Pela manhã, ao vê-lo nu sobre a cama, comentou como se fosse sem querer: sabe que eu pensei que seu pinto fosse maior?
(do livro Ao homem que não me quis, ed. Agir)

RECEITA PARA COMER O HOMEM AMADO
Pegue o homem que te maltrata, estenda-o sobre a tábua de bife e comece a sová-lo pelas costas. Depois pique bem picadinho e jogue na gordura quente. Acrescente os olhos e a cebola. Mexa devagar até tudo ficar dourado. A língua, cortada em minúsculos pedaços, deve ser colocada em seguida, assim como as mãos, os pés e o cheiro verde. Quando o refogado exalar o odor dos que ardem no inferno, jogue água fervente até amolecer o coração. Empane o pinto no ovo e na farinha de rosca e sirva como aperitivo. Devore tudo com talher de prata, limpe a boca com guardanapo de linho e arrote com vontade, pra que isso não se repita nunca mais.
(do livro Falo de Mulher, ed. Ateliê)

NEM TUDO É VERDADE
O que me irrita nesses rapazes com quem tenho transado é a mania de querer conversar depois do sexo.
Saudade do tempo em que os homens simplesmente viravam de lado e dormiam.
Eles levaram muito a sério nossas reclamações.
(do livro Falo de Mulher, ed. Ateliê)

POR DEUS
Tira essa faca do meu peito e enterra o pau. É muito mais confortável.
(do livro Ao homem que não me quis, ed. Agir)

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