de Ronaldo Cagiano
Após o convite do Iranian Literature Foundation para participar do I Seminário de Literatura Latino-americana, em Teerã e Isfahan, entre 26/5 e 1º/6/07, a primeira sensação foi de dúvida. Que motivos teriam para convocar escritores Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Cuba, Índia, México, Venezuela e Uruguai para discutir suas literaturas num país distante geográfica e culturalmente de nós e ao mesmo tempo vivendo momentos políticos difíceis e ameaças dos senhores donos do mundo globalizado?
Confesso que à dúvida seguiram-se o espanto e a apreensão, pois as notícias filtradas do Ocidente sempre nos deram conta de uma área de instabilidade permanente, com risco de toda ordem., além do inconsciente coletivo que aponta para a possibilidade de invasões, homens-bomba e outras instâncias de terror e medo.
Logo, esse sentimento foi dando lugar a outras expectativas, principalmente a de contato com um povo e um país de cultura e história milenares. E, medo por que, se maior insegurança vivemos por aqui, sujeitos a balas perdidas nas ruas do Rio e São Paulo e catástrofe maior não pode haver do que os escândalos, como verdadeiros mísseis imorais que caem todos os dias sobre nossas cabeças nesta Renânia habitada por delúbios, valdomiros, valérios, gautamas, zuleidos e outros sanguessugas.
Desfeitas as cismas e feitas as malas, para lá fomos, motivados também convocação da organizadora do Seminário, a hispanista Najmeh Shobeiri, que declinou a principal razão do evento: "a América Latina tem despertado interesse do mundo literário nas últimas três décadas, com respeitáveis trabalhos de ficção".
A chegada ao Aeroporto Internacional Aiatolá Khomeini, após uma escala em Paris, foi marcada pela cordialidade e simpatia das jovens universitárias, estudantes de literatura e tradutoras de espanhol. Ali já se revelava um País muito diferente daquele demonizado por alguns chefes de estado ocidentais, principalmente pelo que o governo americano costuma apresentar. Mulheres, que mesmo sob chador e véus, não conseguiam obscurecer sua beleza e sensualidade, receberam os convidados com buquês de rosas vermelhas e uma alegria espontânea, saudação que só nos foi possível retribuir com acenos de cabeça, já que abraços, apertos de mãos ou beijos são proibidos, fruto da rigidez de um código moral, que rege comportamentos e dita costumes, e que se aprofundou de maneira mais impositiva com a revolução islâmica e a ascensão do clero xiita ao poder em 1979.
A primeira visão de Teerã me permitiu uma leitura muito diversa daquela costumeiramente oferecida pelas lentes ocidentais e o meu espírito despojou-se lentamente dos pré-conceitos arraigados sobre este outro lado do mundo, captando uma cidade e um pouco do País que se expunham às minhas explorações visuais. Aos poucos, o que havia se impregnado em mim, ao longo de anos de assimilação pelas próprias lições apreendidas nos bancos escolares de Cataguases quanto na história recente contada e filtrada pela imprensa ocidental, cede espaço a outras percepções.
Nem as fantasias dos contos das mil e uma noites, nem o arcaico e o medieval das práticas políticas e religiosas que tantas vezes chegaram até nós pela ótica dos poderosos. Vejo um Irã que cultua o passado histórico e cultural sem qualquer prurido nostálgico, porque experimenta uma metamorfose em seus processos internos, que o ligam ao futuro, à modernidade, à tecnologia, à tentativa de uma relação simbiótica com seus valores e costumes e tantos milênios.
Esse encontro real, que me impediu a astúcia dos julgamentos que levei na bagagem, projetaram-me um país e um povo diferentes, apesar dos condicionamentos políticos e das convicções religiosas fundamenta na charia e no Alcorão.
Em nossa primeira saída em Teerã, encontros dos escritores latino-americanos com o velho mundo. No resto da semana, outra agenda repleta de contatos e passeios pela capital, conduzidos por guias turísticos, tradutores e representantes do governo, que nos apresentaram a uma metrópole que nada destoa das grandes cidades do mundo globalizado. Mas, somos lembrados de que estamos no Irã, em diversas ocasiões e lugares, diante de outdoors com estampas de Khomeini, Khamenei e outros aitatolás, com seu culto aos líderes espirituais, às autoridades civis e militares e aos mártires da guerra contra o Iraque, que na década de 80 ceifou cerca de oito milhões de vidas, numa alusão constante aos feitos do regime.
A imagem que sempre povoou nosso imaginário, e disseminada pela política do lado de cá, que insistiu na apresentação de um país exótico, impermeável e arcaico, governado por uma teocracia intolerante, de vocação belicosa e sufocado em suas vestimentas, cai por terra diante de visões distintas. Nota-se, sem maior esforço, a vida pulsar nas ruas apinhadas de gente e de carros, com um burburinho semelhante à de qualquer capital do primeiro mundo, com seus arranha-céus, condomínios, autopistas e uma periferia cuja pobreza tem uma dignidade não encontradas nos subúrbios das grandes cidades brasileiras.
Sim, há seus antagonismos, como em qualquer país. Por exemplo: bancos estrangeiros não são autorizados e a venda de bebida alcoólica é proibida. Em compensação, no País consomem-se as mesmas marcas de automóveis, refrigerantes, jeans, perfumes, cigarros, relógios, sapatos e novidades de qualquer lugar da Europa ou das Américas. Apesar das dissensões com os Estados Unidos, grande parte da população fala inglês, por opção ou obrigação curricular. E as denominações das praças, ruas, avenidas, mesquitas, edifícios públicos, museus, universidades, lojas, restaurantes, sinalização de trânsito urbano e das rodovias, originariamente escritas na língua farsi e caligrafia persa, é acompanhada da correspondente tradução em língua inglesa.
Cidade populosa, com cerca de 12 milhões de habitantes, a moderna Teerã sofre com os males da poluição, causada não pelas indústrias, que estão no centro-sul do País, mas pelo gás carbônico emitido pelo excesso de automóveis (explica-se: o preço do litro da gasolina corresponde a R$ 0,17). Em contraponto, cidade oferece o fascinante espetáculo dos picos nevados das montanhas Alborz, com a incidência dos raios de um sol tropical que saúda os visitantes oferecendo com uma plasticidade exuberante. Em outras regiões, vêem-se imponentes jardins e parques bem-dotados de estrutura e serviços, além de inúmeros monumentos, verdadeiros mausoléus em praça pública, dedicados a poetas, filósofos e reis da antiguidade, entre os quais Hafez, Rumi, Firdusi, Omar Khayyam, Sa’di, Avicena, Zoroastro, Ciro, Xerxes, Dario, Artaxerxes.
Na segunda etapa, a organização do evento levou-nos a Isfahan (que quer dizer “A metade do mundo”). Considerada a capital cultural do Irã, dista 400 Km de Teerã, conserva o charme e a opulência da arte seiscentista presente em cada esquina dessa que foi capital do Irã há mais de dois séculos e que hoje abriga uma usina nuclear, dor de cabeça para o imperialista Bush. Os autores apresentaram poemas e textos inéditos aos presentes e a alguns escritores locais, que testemunharam a dicção e a semântica de uma outra literatura até então intangível e diversa de seus padrões estéticos. Receptivos e interessados, lotaram o auditório do Hotel Kowsar, localizado abaixo das montanhas Solfé e às margens do rio Zuyandé, com suas pontes arcadas e tantas vezes centenárias, seus barcos a remo e suas casas de chá (chaykunés). No centro, espraia-se o grande mercado persa, seccionado por mesquitas e minaretes, que impressiona pela imponência e proeza de suas linhas arquitetônicas e a variedade de produtos e serviços que, nos corredores labirínticos e nas inúmeras saídas para ruelas vicinais ao grande bazar, dividem espaço com temperos, artesanato, tapetes, roupas e comidas.
Ao comentar com os colegas do Iran sobre a mítica Pasárgada imortalizada por Manuel Bandeira em seu poema, descobri que não se tratava de uma simples miragem utópica do grande poeta brasileiro. Ela está lá, em ruínas, no caminho de Persépolis, construída por Ciro para seu próprio deleite, cinco séculos a.C., crendo ser o ela centro do império Arquemínida, que ele fundou. No Irã, que foi a Pérsia até 1935 e sofreu a dominação árabe no século VII - revelou-me uma professora de literatura espanhola - a ficção é conhecida há pouco mais de sete décadas, mas seu povo reverencia a poesia, que vem de longa tradição oral, tanto quanto nós reverenciamos o futebol e o carnaval.
Nesta primeira visita ao Irã foi possível, com outros olhos, apreender um país desconhecido e ter uma visão nada parecida com as descrições costumeiras. Por exemplo, ficamos sabendo que não há hostilidades entre americanos e iranianos nem mesmo contra os judeus que vivem lá em suas colônias, indicando que há um discernimento entre o que é governo e o que é são os cidadãos. Os povos se entendem, mas os Estados não.
Muito mais rico e organizado que o Iraque, apesar da guerra que travou com seu vizinho, vem se recuperando e se impondo como potência regional. Herdeiro de uma cultura milenar e uma história inesgotável e instigante, vive suas contradições e experimenta um momento de metamorfose em sua história recente.
Esse contato que iranianos vêm mantendo com outras realidades culturais, sociais e econômicas a partir do desvelamento da literatura dos povos da América Latina é um sinal da necessidade desse intercâmbio simbiótico, de novas parcerias com estados não hegemônicos. A nova geração, nascida sob o impacto da revolução islâmica de vinte e oito anos atrás, é composta por 83% de alfabetizados, contra os menos de 48% que o xá Reza Pahlevi, expulso e humilhado, deixou como herança de seu período de dominação e alinhamento com os poderosos Ocidente. Com cerca 75 milhões de habitantes, 2 milhões de universitários, mais de 1500 bibliotecas e um cinema reconhecido internacionalmente, O Irã, certamente, não vai ficar onde está e tem razão para não abaixar a cabeça para os juízes do mundo globalizado que avançam contra os povos do terceiro mundo e os países em desenvolvimento. Esse povo reverencia a história, as tradições e a cultura, mas sem a melancolia do passado, pois está em busca de novos referenciais, novas utopias, outras possibilidades der relacionamento nos diversos campos.
O retorno dessa viagem ao Irã ressuscita em mim aquela mesma sensação que um dia permeou a visita de Aldous Huxley ao Brasil e que na sua jornada entre Ouro Preto e Brasília, provocou-lhe uma profunda inflexão: “Que dramática jornada através do tempo e da história! Uma jornada do ontem para o amanhã, do acabado para o que está por começar, das conquistas antigas às novas promessas". No entanto, ao deixar Persépolis, de tanta história e tradição, a sensação é de ter chegado a uma Farsápolis, terra não prometida, onde pululam escândalos e o poder nos causa ojeriza. E aí, mais do que no poema de Bandeira, dá vontade de gritar: “Vou-me embora pra Pasárgada”.
Após o convite do Iranian Literature Foundation para participar do I Seminário de Literatura Latino-americana, em Teerã e Isfahan, entre 26/5 e 1º/6/07, a primeira sensação foi de dúvida. Que motivos teriam para convocar escritores Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Cuba, Índia, México, Venezuela e Uruguai para discutir suas literaturas num país distante geográfica e culturalmente de nós e ao mesmo tempo vivendo momentos políticos difíceis e ameaças dos senhores donos do mundo globalizado?
Confesso que à dúvida seguiram-se o espanto e a apreensão, pois as notícias filtradas do Ocidente sempre nos deram conta de uma área de instabilidade permanente, com risco de toda ordem., além do inconsciente coletivo que aponta para a possibilidade de invasões, homens-bomba e outras instâncias de terror e medo.
Logo, esse sentimento foi dando lugar a outras expectativas, principalmente a de contato com um povo e um país de cultura e história milenares. E, medo por que, se maior insegurança vivemos por aqui, sujeitos a balas perdidas nas ruas do Rio e São Paulo e catástrofe maior não pode haver do que os escândalos, como verdadeiros mísseis imorais que caem todos os dias sobre nossas cabeças nesta Renânia habitada por delúbios, valdomiros, valérios, gautamas, zuleidos e outros sanguessugas.
Desfeitas as cismas e feitas as malas, para lá fomos, motivados também convocação da organizadora do Seminário, a hispanista Najmeh Shobeiri, que declinou a principal razão do evento: "a América Latina tem despertado interesse do mundo literário nas últimas três décadas, com respeitáveis trabalhos de ficção".
A chegada ao Aeroporto Internacional Aiatolá Khomeini, após uma escala em Paris, foi marcada pela cordialidade e simpatia das jovens universitárias, estudantes de literatura e tradutoras de espanhol. Ali já se revelava um País muito diferente daquele demonizado por alguns chefes de estado ocidentais, principalmente pelo que o governo americano costuma apresentar. Mulheres, que mesmo sob chador e véus, não conseguiam obscurecer sua beleza e sensualidade, receberam os convidados com buquês de rosas vermelhas e uma alegria espontânea, saudação que só nos foi possível retribuir com acenos de cabeça, já que abraços, apertos de mãos ou beijos são proibidos, fruto da rigidez de um código moral, que rege comportamentos e dita costumes, e que se aprofundou de maneira mais impositiva com a revolução islâmica e a ascensão do clero xiita ao poder em 1979.
A primeira visão de Teerã me permitiu uma leitura muito diversa daquela costumeiramente oferecida pelas lentes ocidentais e o meu espírito despojou-se lentamente dos pré-conceitos arraigados sobre este outro lado do mundo, captando uma cidade e um pouco do País que se expunham às minhas explorações visuais. Aos poucos, o que havia se impregnado em mim, ao longo de anos de assimilação pelas próprias lições apreendidas nos bancos escolares de Cataguases quanto na história recente contada e filtrada pela imprensa ocidental, cede espaço a outras percepções.
Nem as fantasias dos contos das mil e uma noites, nem o arcaico e o medieval das práticas políticas e religiosas que tantas vezes chegaram até nós pela ótica dos poderosos. Vejo um Irã que cultua o passado histórico e cultural sem qualquer prurido nostálgico, porque experimenta uma metamorfose em seus processos internos, que o ligam ao futuro, à modernidade, à tecnologia, à tentativa de uma relação simbiótica com seus valores e costumes e tantos milênios.
Esse encontro real, que me impediu a astúcia dos julgamentos que levei na bagagem, projetaram-me um país e um povo diferentes, apesar dos condicionamentos políticos e das convicções religiosas fundamenta na charia e no Alcorão.
Em nossa primeira saída em Teerã, encontros dos escritores latino-americanos com o velho mundo. No resto da semana, outra agenda repleta de contatos e passeios pela capital, conduzidos por guias turísticos, tradutores e representantes do governo, que nos apresentaram a uma metrópole que nada destoa das grandes cidades do mundo globalizado. Mas, somos lembrados de que estamos no Irã, em diversas ocasiões e lugares, diante de outdoors com estampas de Khomeini, Khamenei e outros aitatolás, com seu culto aos líderes espirituais, às autoridades civis e militares e aos mártires da guerra contra o Iraque, que na década de 80 ceifou cerca de oito milhões de vidas, numa alusão constante aos feitos do regime.
A imagem que sempre povoou nosso imaginário, e disseminada pela política do lado de cá, que insistiu na apresentação de um país exótico, impermeável e arcaico, governado por uma teocracia intolerante, de vocação belicosa e sufocado em suas vestimentas, cai por terra diante de visões distintas. Nota-se, sem maior esforço, a vida pulsar nas ruas apinhadas de gente e de carros, com um burburinho semelhante à de qualquer capital do primeiro mundo, com seus arranha-céus, condomínios, autopistas e uma periferia cuja pobreza tem uma dignidade não encontradas nos subúrbios das grandes cidades brasileiras.
Sim, há seus antagonismos, como em qualquer país. Por exemplo: bancos estrangeiros não são autorizados e a venda de bebida alcoólica é proibida. Em compensação, no País consomem-se as mesmas marcas de automóveis, refrigerantes, jeans, perfumes, cigarros, relógios, sapatos e novidades de qualquer lugar da Europa ou das Américas. Apesar das dissensões com os Estados Unidos, grande parte da população fala inglês, por opção ou obrigação curricular. E as denominações das praças, ruas, avenidas, mesquitas, edifícios públicos, museus, universidades, lojas, restaurantes, sinalização de trânsito urbano e das rodovias, originariamente escritas na língua farsi e caligrafia persa, é acompanhada da correspondente tradução em língua inglesa.
Cidade populosa, com cerca de 12 milhões de habitantes, a moderna Teerã sofre com os males da poluição, causada não pelas indústrias, que estão no centro-sul do País, mas pelo gás carbônico emitido pelo excesso de automóveis (explica-se: o preço do litro da gasolina corresponde a R$ 0,17). Em contraponto, cidade oferece o fascinante espetáculo dos picos nevados das montanhas Alborz, com a incidência dos raios de um sol tropical que saúda os visitantes oferecendo com uma plasticidade exuberante. Em outras regiões, vêem-se imponentes jardins e parques bem-dotados de estrutura e serviços, além de inúmeros monumentos, verdadeiros mausoléus em praça pública, dedicados a poetas, filósofos e reis da antiguidade, entre os quais Hafez, Rumi, Firdusi, Omar Khayyam, Sa’di, Avicena, Zoroastro, Ciro, Xerxes, Dario, Artaxerxes.
Na segunda etapa, a organização do evento levou-nos a Isfahan (que quer dizer “A metade do mundo”). Considerada a capital cultural do Irã, dista 400 Km de Teerã, conserva o charme e a opulência da arte seiscentista presente em cada esquina dessa que foi capital do Irã há mais de dois séculos e que hoje abriga uma usina nuclear, dor de cabeça para o imperialista Bush. Os autores apresentaram poemas e textos inéditos aos presentes e a alguns escritores locais, que testemunharam a dicção e a semântica de uma outra literatura até então intangível e diversa de seus padrões estéticos. Receptivos e interessados, lotaram o auditório do Hotel Kowsar, localizado abaixo das montanhas Solfé e às margens do rio Zuyandé, com suas pontes arcadas e tantas vezes centenárias, seus barcos a remo e suas casas de chá (chaykunés). No centro, espraia-se o grande mercado persa, seccionado por mesquitas e minaretes, que impressiona pela imponência e proeza de suas linhas arquitetônicas e a variedade de produtos e serviços que, nos corredores labirínticos e nas inúmeras saídas para ruelas vicinais ao grande bazar, dividem espaço com temperos, artesanato, tapetes, roupas e comidas.
Ao comentar com os colegas do Iran sobre a mítica Pasárgada imortalizada por Manuel Bandeira em seu poema, descobri que não se tratava de uma simples miragem utópica do grande poeta brasileiro. Ela está lá, em ruínas, no caminho de Persépolis, construída por Ciro para seu próprio deleite, cinco séculos a.C., crendo ser o ela centro do império Arquemínida, que ele fundou. No Irã, que foi a Pérsia até 1935 e sofreu a dominação árabe no século VII - revelou-me uma professora de literatura espanhola - a ficção é conhecida há pouco mais de sete décadas, mas seu povo reverencia a poesia, que vem de longa tradição oral, tanto quanto nós reverenciamos o futebol e o carnaval.
Nesta primeira visita ao Irã foi possível, com outros olhos, apreender um país desconhecido e ter uma visão nada parecida com as descrições costumeiras. Por exemplo, ficamos sabendo que não há hostilidades entre americanos e iranianos nem mesmo contra os judeus que vivem lá em suas colônias, indicando que há um discernimento entre o que é governo e o que é são os cidadãos. Os povos se entendem, mas os Estados não.
Muito mais rico e organizado que o Iraque, apesar da guerra que travou com seu vizinho, vem se recuperando e se impondo como potência regional. Herdeiro de uma cultura milenar e uma história inesgotável e instigante, vive suas contradições e experimenta um momento de metamorfose em sua história recente.
Esse contato que iranianos vêm mantendo com outras realidades culturais, sociais e econômicas a partir do desvelamento da literatura dos povos da América Latina é um sinal da necessidade desse intercâmbio simbiótico, de novas parcerias com estados não hegemônicos. A nova geração, nascida sob o impacto da revolução islâmica de vinte e oito anos atrás, é composta por 83% de alfabetizados, contra os menos de 48% que o xá Reza Pahlevi, expulso e humilhado, deixou como herança de seu período de dominação e alinhamento com os poderosos Ocidente. Com cerca 75 milhões de habitantes, 2 milhões de universitários, mais de 1500 bibliotecas e um cinema reconhecido internacionalmente, O Irã, certamente, não vai ficar onde está e tem razão para não abaixar a cabeça para os juízes do mundo globalizado que avançam contra os povos do terceiro mundo e os países em desenvolvimento. Esse povo reverencia a história, as tradições e a cultura, mas sem a melancolia do passado, pois está em busca de novos referenciais, novas utopias, outras possibilidades der relacionamento nos diversos campos.
O retorno dessa viagem ao Irã ressuscita em mim aquela mesma sensação que um dia permeou a visita de Aldous Huxley ao Brasil e que na sua jornada entre Ouro Preto e Brasília, provocou-lhe uma profunda inflexão: “Que dramática jornada através do tempo e da história! Uma jornada do ontem para o amanhã, do acabado para o que está por começar, das conquistas antigas às novas promessas". No entanto, ao deixar Persépolis, de tanta história e tradição, a sensação é de ter chegado a uma Farsápolis, terra não prometida, onde pululam escândalos e o poder nos causa ojeriza. E aí, mais do que no poema de Bandeira, dá vontade de gritar: “Vou-me embora pra Pasárgada”.
Um comentário:
caramba,
finalmente achei o texto do cagiano sobre o irã.
adorei saber que eele tb tem a sensação de que o brasil não é um país querido.
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